Roberto Policiano

27 de ago. de 2014

Não vá embora




Não vá agora;

Não tenha pressa;

Vê se descansa;

A casa é sua.

 

Agora, ao meio dia,

Se você sai

O sol lhe alcança

E você sua.

 

Se aceitar;

Esta aliança

Pode ser sua.

 

E que minha vida,

Tenho esperança,

Você possua!


Roberto Policiano

20 de ago. de 2014

Direito de ir e vir




Seis horas da manhã, ao passar perto de um ponto de ônibus, viu uma mulher que, para ganhar tempo enquanto esperava a condução, segurava seu espelho e um pequeno estojo de maquiagem na mão esquerda e um pequeno pincel na mão direita. No momento em que a viu o instrumento roçava suavemente, num movimento de vai e vem, a testa da cidadã.

Passados dez minutos, quando voltava da padaria carregando um saco de pães ainda quentes, encontrou a mesma mulher dando os últimos retoques nos olhos com um lápis que lhe pareceu que deslizava no globo ocular dela.

Pouco de tempo depois, ao passar pelo mesmo local a fim de buscar açúcar, cuja falta só descobriu quando foi preparar o café, encontrou a mulher ainda na espera do transporte. Desta vez estava lixando as unhas das mãos.

No retorno, já de posse do açúcar, encontrou-a passando esmalte na unha do polegar da mão esquerda. “Como a condução está demorando hoje”, pensou enquanto caminhava sem tirar os olhos dela que, entretida com o que fazia, não percebeu a curiosidade do transeunte.

Após quase trinta minutos ele chegou com a sua mochila a fim de tomar a condução que o levaria ao seu local de trabalho. Ela continuava lá. Suas unhas já estavam pintadas e secas, mas nada do ônibus. Suas expressões delatavam o seu descontentamento com a demora, o que é perfeitamente compreensivo.

Passaram-se mais alguns minutos e, como o transporte teimava em não chegar, a mulher abriu a bolsa, retirou a lixa, sentou-se na calçada, tirou os sapatos, e começou a lixar a unha do dedo grande do pé esquerdo!
 
 
Roberto Policiano
 

13 de ago. de 2014

Dormindo em pé




O despertador berra;

Um dedo mole o cala;

O sono pede espera,

Mas o tempo não para.

 

Levanta o moribundo

Mesmo estando dormindo,

Sob um sono profundo

Caminha quase caindo.

 

Esbarra no batente;

Veste calça de pelo;

Põe camisa de gola.

 

Penteia com pressa os dentes;

Engraxa os seus cabelos;

Quase que se degola.



Roberto Policiano

6 de ago. de 2014

Enganos




Braulênio era um sujeito metódico que antes de usar o banheiro fazia questão de encharcar uma folha de papel toalha com sabonete líquido e limpar toda a borda do vaso sanitário, forrando-o antes de sentar-se. Certa vez, sentido que chegara a hora de ‘ocupar o trono’, executou o ritual de iniciação e esperou pelo resultado. Não aconteceu nada! “enganei-me, pensou ele”. Desolado saiu da ‘casinha’ e lavou as mãos demoradamente, após o que, desinfetou-as com álcool em gel que sempre levava consigo. Não passou nem vinte minutos e novo aviso – agora bastante convincente – convocou-o para o sanitário. Feitos os procedimentos preparatórios, ocupou o seu lugar, e aguardou. Novo alarme falso. Após cumprir nos mínimos detalhes as etapas de higienização de pós-uso privativo, retornou à sua sala. Menos de uma hora mais tarde foi convidado pela natureza a ocupar o recinto onde se costuma atuar sem ser observado. Limpeza – forração – ocupação - espera inútil. ‘Devo ter comido ou bebido alguma coisa que alterou meus intestinos’, pensava ele enquanto usava o lavatório. Para não alongar o assunto, o alarme falso o fez deslocar de sua mesa por mais três vezes.
Já passava das dezesseis horas quando seu organismo o intimidou novamente. Daquela vez, no entanto, resistiu. Um movimento intestinal barulhento o alertou que o alarme era verdadeiro, mas ele, ofendido com tantas trapaças, ignorou. Quando a insistência nos sinais gerou certo desconforto, concluiu que não passava de gazes que pediam liberdade. Correu para o banheiro e atendeu à pretensa solicitação interna. Franziu a testa, arregalou os olhos, levantou as sobrancelhas e, enquanto corria para o vaso sanitário, pensou:
- Enganei-me novamente!



Roberto Policiano