Direito de ir e vir
Seis horas da manhã, ao passar perto de um
ponto de ônibus, viu uma mulher que, para ganhar tempo enquanto esperava a
condução, segurava seu espelho e um pequeno estojo de maquiagem na mão esquerda
e um pequeno pincel na mão direita. No momento em que a viu o instrumento
roçava suavemente, num movimento de vai e vem, a testa da cidadã.
Passados dez minutos, quando voltava da
padaria carregando um saco de pães ainda quentes, encontrou a mesma mulher dando
os últimos retoques nos olhos com um lápis que lhe pareceu que deslizava no
globo ocular dela.
Pouco de tempo depois, ao passar pelo mesmo
local a fim de buscar açúcar, cuja falta só descobriu quando foi preparar o café,
encontrou a mulher ainda na espera do transporte. Desta vez estava lixando as
unhas das mãos.
No retorno, já de posse do açúcar,
encontrou-a passando esmalte na unha do polegar da mão esquerda. “Como a
condução está demorando hoje”, pensou enquanto caminhava sem tirar os olhos
dela que, entretida com o que fazia, não percebeu a curiosidade do transeunte.
Após quase trinta minutos ele chegou com a
sua mochila a fim de tomar a condução que o levaria ao seu local de trabalho.
Ela continuava lá. Suas unhas já estavam pintadas e secas, mas nada do ônibus.
Suas expressões delatavam o seu descontentamento com a demora, o que é
perfeitamente compreensivo.
Passaram-se mais alguns minutos e, como o
transporte teimava em não chegar, a mulher abriu a bolsa, retirou a lixa,
sentou-se na calçada, tirou os sapatos, e começou a lixar a unha do dedo grande do pé
esquerdo!
Roberto Policiano
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