Roberto Policiano

29 de out. de 2014

Descoberta arqueológica




Um garoto fazia um passeio exótico no ano 4352 EC quando acidentalmente caiu dentro de uma caverna ao apoiar o corpo no que achava ser uma encosta a fim de recuperar o fôlego após encarar uma subida longa. Como estava de posse de seu capacete equipado com luzes para perscrutar lugares escuros, resolveu explorar o ambiente. Antes, porém, acionou seu localizador de pulso com uma versão atualizada em vinte gerações do que conhecemos hoje como GPS, que não só indicava onde se encontrava, mas avisava o monitor do grupo da excursão por onde ele se enfiara - neste caso literalmente. Além de indicar posições e em que direção dos pontos cardeais ele se dirigia, mostrava possíveis saídas de ambientes fechados, se as mesmas estavam bloqueadas ou não, e opções de rotas de fuga. O Sistema apontava também a localização de objetos inusitados que poderiam interessar caçadores de novidades. Tendo sua integridade protegida por tal parafernália tecnológica, nosso jovem curioso saiu em busca de novidades e, como o sinal de seu aparelho foi captado pelo chefe do grupo, levou com ele o responsável e a garotada acompanhante a fim de resgatar, ou melhor, juntar-se ao escrutinador de lugares subterrâneos. Aquele que descobriu o ambiente continuou em sua busca sempre de olho nas indicações do tataraneto do GPS. Não demorou muito e ele recebeu informação do aparelho que algo que pudesse ser de interesse se encontrava a noroeste. Seguindo a seta mostrada no visor nosso herói descobriu em pouco tempo que não estava em uma caverna, como  pensara no início, mas em um edifício antigo soterrado pelo tempo, descaso, inutilidade... Deparou-se com uma porta de vidro, empurrou-a, entrou, e, em pouco tempo, encontrou uma estante repleto de  objetos retangulares, de várias cores e espessuras. Curioso, retirou um deles, colocou sobre uma mesa que havia no ambiente e direcionou seu aparelho de pulso sobre o que achara. Este, depois de direcionar um feixe de luz de neon sobre o mesmo,   percorreu-o por toda a sua extensão, além de nos quatro lados de sua lombada. Poucos segundos depois uma mensagem foi projetada: "Não há registro". O menino resolveu acessar o seu achado e, usando o dedo indicador de sua mão direita, passou-o sobre a superfície do mesmo. Não aconteceu nada! Repetiu o gesto algumas vezes, ora no sentido vertical, outras vezes na horizontal e também na diagonal, mas não conseguiu nenhum resultado. Pegou a sua descoberta e girou-a a fim de examiná-las por todos os lados, pois se lembrara de algumas das aulas sobre antiguidades que no passado alguns aparelhos funcionavam quando pressionados numa de suas partes salientes conhecidas então como teclas. Seu exame minucioso não encontrou nenhuma delas. Foi neste ponto que os demais membros da atividade escolar daquele dia chegaram. Aproveitando a presença do mestre, estendeu sua descoberta à ele e perguntou:

- O que é isto?

O Educador, depois de examinar cuidadosamente o que recebera do aluno, demonstrou, através de suas expressões faciais, que não fazia a melhor ideia do que tinha em suas mãos, mas, aproveitando o achado, resolveu levá-lo a fim de fazer uma pesquisa no laboratório da academia.

Várias autoridades acadêmicas foram abordadas para dar seu parecer sobre a antiguidade encontrada, mas passou-se um mês e ninguém fora capaz de identificar o objeto encontrado naquela excursão. Como haveria uma visitação pública naquele estabelecimento de ensino num evento que ocorreria em duas semanas, determinou-se que aquela curiosidade fosse colocada numa vitrine e exposta  com outros objetos interessantes.

No dia do evento o mestre, querendo saber mais sobre o que fora achado, ficou de plantão num local de onde poderia observar se alguns dos visitantes se interessaria por ele. Sua espera foi recompensada duas horas depois, quando uma senhora, acompanhada de sua neta, parou diante da vitrina e indicando o objeto para a criança, teceu alguns comentários. imediatamente o professor se aproximou e iniciou uma conversa.

- Bom dia senhora! Percebo que se interessou por este objeto. Já teve a oportunidade de ver algo parecido antes?

- Bom dia professor! Sim, pois eu tenho alguns deles em casa, herança de família que foi passada de geração em geração e agora eu tenho o privilégio de ser a guardiã deles.

- E a senhora sabe como acessar suas informações?

- Certamente que sim!

- Poderia demonstrar isso, por favor?

- Com todo o prazer. Posso pegá-lo?

- Se não for muito incômodo gostaria que a senhora demonstrasse isso na sala de reuniões para nossa equipe acadêmica. É possível nos fazer este grande favor?

- Estou à disposição da academia.

Imediatamente a relíquia foi retirada cuidadosamente do lugar onde se encontrava. O acadêmico pegou gentilmente no braço da senhora que, acompanhada da neta, fora conduzida para uma ampla sala. Trinta minutos depois um grupo considerável de intelectuais estavam reunidos e sentados ao redor de uma mesa a fim de aprender como se acessava as informações daquele objeto, que - com  uma cerimônia solene - foi entregue à senhora pelo reitor da academia. Antes da anciã efetuar o ato nobre, no entanto, sua neta perguntou:

- Posso abrir, vovó?

Antes de responder à pergunta da neta a mulher correu seu olhar para os olhares dos doutores presentes a fim de descobrir o que eles pensavam sobre o pedido. Depois de alguns segundos de reflexão um deles respondeu:

- Pode deixá-la.

A garotinha esboçou um largo sorriso, pegou o objeto com cuidado das mãos da avó, colocou-o gentilmente sobre a mesa, esticou os braços em direção ao chão e ao lado das pernas, evidenciando certa ansiedade, gesto este que levou apenas alguns segundos, e, depois de um suspiro, levou sua mão direita até a base do objeto, pegou em sua borda, mais ou menos no centro, e girou-a para o lado esquerdo. Para a surpresa de todas as autoridades escolásticas presentes, algumas palavras grafadas surgiram no topo superior esquerdo da área exposta. Logo abaixo, centralizado, havia uma gravura.

- Como Chama isso? perguntou o mestre.

- Livro - respondeu a netinha!


Roberto Policiano

22 de out. de 2014

Sabor negro escarlate



A motocicleta passou

Riscando o silêncio da madrugada;

O zumbido do pernilongo

Manchou de vermelho a penumbra do quarto;

O ar gelado produziu nódoa

No aconchego do cobertor;

O barulho de hortelã

Despertou o olhar ensurdecido;

O odor da notícia

Nublou o recanto pacífico;

O movimento brusco

Cantou labaredas na paz de espírito;

Trovejaram emoções

Azulando os espaços;

O crepitar do amor

Encrespou a alma cansada.


Roberto Policiano

15 de out. de 2014

Goma de mascar




Terça-feira, aproximadamente onze horas e quarenta e cinco minutos. Ele andava apressado a fim de não perder a condução. Era verão e a temperatura estava condizente com a estação, de modo que sua camisa estava tão suada que grudava em seu corpo. De repente deu-se conta de que a goma de mascar que levava à boca há muito havia perdido seu sabor. Visto que a mascava em compasso com a velocidade com que caminhava, sentiu o impacto da mastigação em sua mandíbula. Sem pensar duas vezes cuspiu a borracha na palma da mão e livrou-se dela na lixeira de uma casa na esquina da avenida onde caminhada e uma pequena rua que iniciava exatamente ali. Na residência acontecia uma movimentação incomum e um falatório em volume acima do normal, mas o transeunte não se atentou a este detalhe.

À noite daquele mesmo dia, ao assistir o telejornal em sua casa, nosso caminhante ouviu uma notícia de um crime que acontecera no período da manhã. Para sua surpresa a casa onde passara em frente apareceu na tela da televisão. Comentou com a esposa que ele estivera na região da residência mais ou menos no horário do almoço.

O acontecimento ganhou gradativamente proporção significativa a ponto de chamar a atenção dos repórteres e dos munícipes. O atentado foi reconhecido como praticado por profissionais do crime, visto que nenhum vestígio fora encontrado. Isso fez com que a notícia se repetisse durante duas semanas, agora no horário nobre da programação televisiva, deixando de ser uma notícia local por alcançar o interesse da nação. Peritos em criminologia foram convocados para desvendar o caso.

Na quinta semana uma informação intrigante foi dada pela equipe que investigava o ocorrido - que já havia ultrapassado a barreira nacional e entrado em algumas nações vizinhas - que mostraram alguns lances do acontecimento. Um dos integrantes do crime - comentou um dos detetives - cometeu um pequeno deslize e deixou uma goma de mascar na lixeira da casa. Esse detalhe animaram os técnicos envolvidos no caso, pois o material fora encaminhado para um laboratório que faria exames no DNA da saliva da borracha a fim de identificar um dos membros da quadrilha e, por meio dele, chegar aos demais elementos criminosos.

Três semanas depois o caminhante foi visitado por dois agentes policiais e levado à delegacia que investigava o crime. O pobre homem tentou convencer as autoridades de que apenas passava no local, que fazia parte de seu trajeto diário, e jogara a goma de mascar na primeira lixeira que encontrara, mas sua explicação foi considerada inverossímil. O infeliz foi bombardeado de perguntas como: “Por que especificamente naquela lixeira?”; “Por que não na anterior?”; “Não poderia ser na posterior?”; “Não percebeu ali acontecera um crime?”; “Como não se dera conta da movimentação incomum?”; “Como não ouvira nada do que se dizia no interior da casa?”. O rapaz suava copiosamente, pois não sabia responder a nenhuma das perguntas acima e percebeu que a cada resposta não convincente se complicava cada vez mais.

Os telespectadores do país inteiro, bem como das nações fronteiriças, conheceram naquela noite um dos criminosos do caso intrigante até então. Os peritos informaram que ele não estava cooperando com as investigações, pois insistia em dizer que era inocente e de que não conhecia os outros autores do crime.

Um ano e meio depois a nação sentiu-se sossegada e tranquila ao saber que o réu fora condenado por um júri popular a vinte anos de prisão em regime fechado pelo seu delito e a outros dezoitos anos por acobertar os demais integrantes da quadrilha.

Em uma sala qualquer da nação um grupo, escondido por fumaças dos apreciados e famosos charutos de Havana, comemorava o veredicto com  requintado e genuíno vinho francês, apreciado no mundo inteiro, inclusive ali. Após efusiva e barulhenta algazarra o grupo se preparou para planejar a próxima ação criminosa.



Roberto Policiano

8 de out. de 2014

Tecendo a vida




Amanheceu...

O corpo permaneceu imóvel sob o cobertor,

Mas o pensamento passeou,

Ora em direção ao passado,

Revisitando personagens,

Paisagens,

Aromas,

Sabores,

Emoções,

Ora imaginando o futuro;

A vida acontecendo rasgava o silêncio,

Cada vez mais escasso,

Do lugarejo,

Roncos de motores,

Conversas de amigos,

Latidos de cães,

Cantos, gorjeios e pios de pássaros,

Cavalgada sobre a rua calçada...

O tempo fluindo lentamente,

Num movimento paradoxal,

Serpenteava em direção ao futuro,

E, ao mesmo tempo,

Cristalizava-se no passado,

Tecia, entre os dois,

Com imperceptíveis fios de milésimos de segundos,

O momento presente.


Roberto Policiano

1 de out. de 2014

Guinalcydhes




Cheguei ao escritório precisando contar uma notícia. Era uma informação importantíssima que não podia deixar de ser divulgada, e eu não queria cometer o erro de retê-la comigo. Mas a primeira pessoa que avistei foi o Guinalcydhes e eu não estava disposto a conversar com ele - não naquele momento. O rapaz até que é uma boa pessoa - para ser honesto, boníssima - mesmo assim eu evitava dialogar com ele. Claro que você quer saber a razão da minha resistência. Acontece que o meu amigo fala muito baixo, na realidade sua voz é baixíssima. Como se este fato não bastasse, ele mal move os lábios quando pronuncia as palavras. Por mais que eu arraste todos os sons periféricos e me concentre em cada decibel emitido pelo Guina – como é chamado pelos conhecidos - não consigo ouvir cinco por cento do que ele diz. E como ele fala com a boca fechada, leitura labial estava fora de cogitação. Pensa que terminou por aqui? Se fosse assim estava muito bom! Nosso homem é daqueles que não tem pressa em dizer o que deve ser dito e faz questão de transmitir a informação mais sem importância do mundo sem esquecer os mínimos detalhes. E, para ter certeza de que está sendo claro, abre vários parênteses em suas conversas para perguntar ao infeliz que o ouve – ou tenta ouvi-lo - se ele está entendendo. Não vou mentir aqui, mas tive que fazer isso muitas vezes quando ele queria saber se eu estava escutando. Fazia isso por duas razões: 1) Para não fazê-lo repetir a mesma coisa uma infinidade de vezes, tornando-me inconveniente; 2) Porque tenho a convicção de que, mesmo depois da centésima vez que ele repetisse seu pronunciado eu continuaria a não saber o que ele acabara de tentar me comunicar, não obstante o seu empenho. Pois bem, invariavelmente eu demonstrava que o entendia por balançar afirmativamente a cabeça ou com um sorriso, que, traduzido, quer dizer: “estou entendendo tudo”. Na realidade eu ouvia algumas palavras ou partes delas, como no exemplo gráfico a seguir onde procuro transcrever uma de suas falas:

“Isnum.................. que.............  .é....................................são ........in ......  os ... ................................... .clors............................................................................... é ......................... ora . . . ...................................... ocar ......................................ism ................................ e  ... tão.................................... assim........................... eu ................ isse”

            O desafio era reunir estas partículas e tentar achar um significado. O resultado não poderia ser outro a não ser uma criação particular de minha parte do que tentava dizer meu colega. Ele, por outro lado, era dono de uma memória impressionante, pois todas as vezes que alguém lhe contasse algo, por mais singelo que fosse, esse tal não saía sem alguma réplica, pois ele sempre se lembrava de algo similar, que fazia questão de mencionar sem esquecer uma vírgula sequer! As tréplicas só aconteciam com aqueles que não o conheciam bem.

            Diante do exposto, voltemos ao início deste relato. Ao chegar à sala e me deparar com Guinalcydhes, deduzi que ele me cumprimentara e, depois de retribuir com um “bom dia para você também”, liguei meu computador e me esqueci da notícia que lera. Fiz isso sem maldade, mas por uma simples questão de veracidade, visto que não estava disposto a mentir naquela linda manhã de sexta-feira.


Roberto Policiano