Roberto Policiano

1 de out. de 2014

Guinalcydhes




Cheguei ao escritório precisando contar uma notícia. Era uma informação importantíssima que não podia deixar de ser divulgada, e eu não queria cometer o erro de retê-la comigo. Mas a primeira pessoa que avistei foi o Guinalcydhes e eu não estava disposto a conversar com ele - não naquele momento. O rapaz até que é uma boa pessoa - para ser honesto, boníssima - mesmo assim eu evitava dialogar com ele. Claro que você quer saber a razão da minha resistência. Acontece que o meu amigo fala muito baixo, na realidade sua voz é baixíssima. Como se este fato não bastasse, ele mal move os lábios quando pronuncia as palavras. Por mais que eu arraste todos os sons periféricos e me concentre em cada decibel emitido pelo Guina – como é chamado pelos conhecidos - não consigo ouvir cinco por cento do que ele diz. E como ele fala com a boca fechada, leitura labial estava fora de cogitação. Pensa que terminou por aqui? Se fosse assim estava muito bom! Nosso homem é daqueles que não tem pressa em dizer o que deve ser dito e faz questão de transmitir a informação mais sem importância do mundo sem esquecer os mínimos detalhes. E, para ter certeza de que está sendo claro, abre vários parênteses em suas conversas para perguntar ao infeliz que o ouve – ou tenta ouvi-lo - se ele está entendendo. Não vou mentir aqui, mas tive que fazer isso muitas vezes quando ele queria saber se eu estava escutando. Fazia isso por duas razões: 1) Para não fazê-lo repetir a mesma coisa uma infinidade de vezes, tornando-me inconveniente; 2) Porque tenho a convicção de que, mesmo depois da centésima vez que ele repetisse seu pronunciado eu continuaria a não saber o que ele acabara de tentar me comunicar, não obstante o seu empenho. Pois bem, invariavelmente eu demonstrava que o entendia por balançar afirmativamente a cabeça ou com um sorriso, que, traduzido, quer dizer: “estou entendendo tudo”. Na realidade eu ouvia algumas palavras ou partes delas, como no exemplo gráfico a seguir onde procuro transcrever uma de suas falas:

“Isnum.................. que.............  .é....................................são ........in ......  os ... ................................... .clors............................................................................... é ......................... ora . . . ...................................... ocar ......................................ism ................................ e  ... tão.................................... assim........................... eu ................ isse”

            O desafio era reunir estas partículas e tentar achar um significado. O resultado não poderia ser outro a não ser uma criação particular de minha parte do que tentava dizer meu colega. Ele, por outro lado, era dono de uma memória impressionante, pois todas as vezes que alguém lhe contasse algo, por mais singelo que fosse, esse tal não saía sem alguma réplica, pois ele sempre se lembrava de algo similar, que fazia questão de mencionar sem esquecer uma vírgula sequer! As tréplicas só aconteciam com aqueles que não o conheciam bem.

            Diante do exposto, voltemos ao início deste relato. Ao chegar à sala e me deparar com Guinalcydhes, deduzi que ele me cumprimentara e, depois de retribuir com um “bom dia para você também”, liguei meu computador e me esqueci da notícia que lera. Fiz isso sem maldade, mas por uma simples questão de veracidade, visto que não estava disposto a mentir naquela linda manhã de sexta-feira.


Roberto Policiano