Ser... Ou ser
Num campinho de futebol improvisado em três
terrenos baldios contíguos, um grupo de meninos jogava bola. Nenhum deles
levava relógio, portanto, a partida não tinha hora para terminar. Depois de
exaustiva disputa os atletas simplesmente deixaram cair seus corpos na grama
que cobria o solo e esperaram pela recuperação. Nada se ouvia a não ser o
movimento do ar das respirações aceleradas deles. Gotas de suor fluíam de todos
os poros. Em pouco tempo suas roupas ficaram grudadas na pele. Pernas e braços,
abertos e abandonados molemente, totalmente suarentos, atraiam as lâminas
gramíneas para si. Vários minutos se passaram. Os olhos ardiam com a invasão do
fluído salgado provocado pelo cansaço. Cada um dos jogadores foi recuperando o
fôlego paulatinamente. Uma preguiça agradável amoleceu cada fibra dos músculos
dos garotos. A quietude e o sossego reinaram por um bom tempo até que um deles,
contagiado pelo entusiasmo da peleja, comentou:
- Como é bom jogar bola!
- Nem me fale. Se a gente pudesse fazer só isso a vida
inteira!
- Os jogadores profissionais só fazem isso.
- Que sorte a deles!
- Eu queria ser um deles.
- Eu queria ser o “A”.
- Eu prefiro ser o “B”.
- E eu o “C”.
- Meu Sonho é ser o “D”.
- Legal mesmo seria ser o “E”
E assim, cada um escolheu ser um jogador famoso, menos o Tico.
- E você, Tico, quem deseja ser?
- Eu quero ser eu mesmo!
- O quê? Você não deseja ser ninguém famoso?
- Claro que não!
- Por quê?
- Pra ser outra pessoa eu
tenho que morrer!
- Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah!
Ah! Ah! Ah! Ah! Ah!
- Ca! Ca! Ca! Ca! Ca! Ca! Ca! Ca! Ca!
Ca! Ca! Ca! Ca! Ca! Ca! Ca! Ca!
- Ih! Ih! Ih! Ih! Ih! Ih!
Ih! Ih! Ih! Ih! Ih! Ih! Ih! Ih! Ih! Ih! Ih! Ih! Ih! Ih! Ih! Ih!
- Ra! Ra! Ra! Ra! Ra! Ra! Ra!
Ra! Ra! Ra! Ra! Ra! Ra! Ra! Ra! Ra! Ra!
- Ri! Ri! Ri! Ri! Ri! Ri! Ri! Ri! Ri! Ri! Ri!
Ri! Ri! Ri! Ri! Ri! Ri! Ri! Ri! Ri! Ri!
- Porque você acha isso, Tico?
E ele, com um leve e sutil
sorriso quase imperceptível, com uma nano puxadinha no canto esquerdo da boca,
enigmatizando sua expressão facial, fincou os cotovelos na grama onde estava
deitado e, com os indicadores esticados e os demais dedos encolhidos, enquanto girava
suas duas mãos desenhando espirais no ar, ora em sentido horário, ora do lado
contrário, culminando, depois de sua fala, com as palmas das mãos viradas para
o céu, respondeu:
- Se eu for ser outra
pessoa, quem vai ser eu mesmo?
Roberto Policiano
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