O Novato
Tinha seus vinte e três anos. Há três meses trabalhava na empresa. Fora chamado no dia anterior ao gabinete do gerente de sua divisão e, surpresa das surpresas, deveria representar a empresa numa reunião executiva. Estava nervoso. Levantou às cinco horas da manhã, embora a reunião estava marcada para as 10 horas. Escolheu seu melhor terno. Caprichou no visual. Oito horas em ponto saiu de casa. O trânsito estava caótico. O nervosismo era evidente. Estava um calor infernal! Os termômetros deveriam marcar, àquela hora da manhã, 35°C, mas a sensação que ele tinha é que estava pelo menos 78°C. Suava profusamente. Conseguiu achar um estacionamento vazio a cinco quadras do local onde aconteceria a reunião. Resolveu caminhar. Arrependeu-se.
O calor estava causticante.
Chegou com a camisa molhada de suor. Procurou um bebedouro. Tomou pelos menos quatro copos de água. Faltavam quarenta minutos para o início da reunião. Resolveu escolher uma cadeira numa posição discreta, para não ficar em evidência. Enquanto esperava decidiu reler os documentos que forneciam os dados que precisaria. O calor incomodava. Como estava sozinho, resolveu tirar os sapatos. Ah! Que alívio!
Aos poucos as pessoas foram chegando e ocupando as cadeiras remanescentes. Ele continuava absorto em seus documentos, talvez mais como uma desculpa para não encarar os outros do que se informar, pois aqueles dados ele conhecia de cabeça. Dez minutos antes do início da reunião todas as cadeiras já estavam ocupadas e algumas pessoas esperavam em pé. Cadeiras adicionais foram introduzidas na sala, de modo que a sala de reunião foi reorganizada para que todos sentassem. Só então se lembrou que tirara os sapatos! Mas, para seu desespero, não teve chance de colocá-los, pois, seguindo a movimentação imposta pelas danças das cadeiras, teve que se levantar e levar sua cadeira à direita para que uma outra fosse colocada junto à mesa. Resultado – seus sapatos ficaram para trás! Era urgente, extremamente urgente que ele os recuperasse, no entanto, como é perfeitamente compreensivo, queria fazê-lo o mais discreto possível. A partir de então, o mais importante para ele era resgatar seus sapatos sem que ninguém percebesse.
Começou a reunião. Aproveitou a deixa para tentar sua primeira tentativa. Para facilitar o resgate tirou a meia do pé esquerdo, disfarçadamente, e guardou-a no bolso. Iniciou seu intento. Sentou bem na ponta da cadeira e esticou a perna para agarrar um dos sapatos entre o dedão e o dedo vizinho. Faltou perna. Colocou uma das mãos na ponta da cadeira e, afundando um pouco por baixo da mesa, fez nova tentativa. Sentiu o sapato roçar na sola do pé. Procurou sua borda e, fazendo do pé um alicate, preparou-se para arrastá-lo até si. Neste momento ele sentiu uma mão acariciar sua orelha. Só então se deu conta que, para alcançar seu objetivo, esticou sua cabeça para o lado direito, repousando-a gentilmente nos ombros da senhora que estava ao seu lado. Embora ficasse sem graça, não desgarrou o sapato e, enquanto procurava se ajeitar na cadeira, arrastava-o para perto de si, ao mesmo tempo em que sussurrava uma desculpa à senhora, alegando uma câimbra repentina. A gentil senhora, com o rosto iluminado por um sorriso e um certo brilho do olhar, respondeu-lhe também num sussurro:
- Não se preocupe, meu jovem, vivo passando por isso também.
- Obrigado por sua compreensão!
- A propósito, gostei do teu perfume!
- Obrigado!
- Ele é tão... tão...
- Sim!
- Tão voluptuoso!
- Desculpe se a incomodei, disse ele sem graça.
- Não incomodou em nada, meu jovem.
- Obrigado!
- Mas que ele é, pode ter certeza que é!
- Como?
- Voluptuoso!
Ele não respondeu, mesmo porque, não saberia como fazê-lo. Limitou-se a lhe sorrir um sorriso de pedidos de desculpas e terminar de se ajeitar na cadeira.
Meia tarefa estava cumprida. “Pescara” o sapato do pé direito. Calçou-o. Tomou fôlego. Deu uma golada no café que lhe fora colocado pelo copeiro. Era preciso prestar atenção na reunião, mas, para ele, era mais importante ainda alcançar o outro pé de sapato e acabar com aquela agonia. Segurou novamente a borda da cadeira e, já com os dedos dos pés abertos, voltou à “pesca”. Teve sorte em atingir o seu objetivo na primeira tentativa, mas, como no lance anterior, bandeou para o lado de sua vizinha de mesa e, azar dos azares, enfiou seu cotovelo na xícara de café da bondosa senhora. Ganhou uma dor miserável no joelho esquerdo ao batê-lo violentamente na borda da mesa quando tentou se ajeitar rapidamente – ato instintivo que teve assim que enfiou o cotovelo em lugar impróprio; uma tremenda dor nas costas com todo este show de contorcionismo; uma imensa mancha no seu terno preferido; e a atenção de todos os presentes. Sentiu-se na obrigação de desculpar-se:
- Perdão! Tive uma câimbra repentina!
- Já é a segunda, meu jovem, disse-lhe a boa senhora, precisa de mais potássio. Come bananas que ajuda.
- Obrigado pela dica. Vou me lembrar disso.
Uma copeira limpou imediatamente a mesa, recolheu a xícara, e trouxe um outro café para a senhora. Felizmente para o novato, todos aceitaram o incidente como algo comum e a reunião foi reiniciada sem nenhum problema. Sentindo-se aliviado e ao mesmo tempo vitorioso por sair daquela situação constrangedora, tratou de calçar o sapato recuperado. Mas, quando foi ajeitá-lo calçá-lo, a surpresa – era um sapato feminino! Tentar fazer a troca estava fora de cogitação. O melhor a fazer seria calçar aquele sapato mesmo e esperar pelo final da reunião. Com certeza a dona dele ficaria feliz de fazer a troca.
Cinqüenta minutos depois a reunião foi encerrada. Enquanto fingia arrumar os documentos, esperou que os outros saíssem a fim de encarar aquela que cometera o mesmo erro que ele. Quando achou que todos tinham se levantado, ergueu a cabeça em busca de sua salvação. Do outro lado da mesa, com a expressão mais patética do mundo, uma mulher dirigia-lhe um olhar fulminante. Ia tentar se justificar quando ouviu a voz do presidente:
- É melhor se apressarem. A exposição a qual me referi acontecerá dentro de dez minutos.
Ambos levantaram e, tentando andar o mais naturalmente possível, saíram mancando da sala. Lá fora ele se aproximou dela e tentou ser o mais sucinto possível:
- Parece que temos algo em comum!
- O certo não seria incomum?
- É melhor trocarmos os sapatos.
- Acho uma excelente idéia!
Devidamente calçados cada um se dirigiu para o salão onde os outros já se encontravam, tomando o cuidado de ficarem tão longe quanto possível um do outro!
Chegou com a camisa molhada de suor. Procurou um bebedouro. Tomou pelos menos quatro copos de água. Faltavam quarenta minutos para o início da reunião. Resolveu escolher uma cadeira numa posição discreta, para não ficar em evidência. Enquanto esperava decidiu reler os documentos que forneciam os dados que precisaria. O calor incomodava. Como estava sozinho, resolveu tirar os sapatos. Ah! Que alívio!
Aos poucos as pessoas foram chegando e ocupando as cadeiras remanescentes. Ele continuava absorto em seus documentos, talvez mais como uma desculpa para não encarar os outros do que se informar, pois aqueles dados ele conhecia de cabeça. Dez minutos antes do início da reunião todas as cadeiras já estavam ocupadas e algumas pessoas esperavam em pé. Cadeiras adicionais foram introduzidas na sala, de modo que a sala de reunião foi reorganizada para que todos sentassem. Só então se lembrou que tirara os sapatos! Mas, para seu desespero, não teve chance de colocá-los, pois, seguindo a movimentação imposta pelas danças das cadeiras, teve que se levantar e levar sua cadeira à direita para que uma outra fosse colocada junto à mesa. Resultado – seus sapatos ficaram para trás! Era urgente, extremamente urgente que ele os recuperasse, no entanto, como é perfeitamente compreensivo, queria fazê-lo o mais discreto possível. A partir de então, o mais importante para ele era resgatar seus sapatos sem que ninguém percebesse.
Começou a reunião. Aproveitou a deixa para tentar sua primeira tentativa. Para facilitar o resgate tirou a meia do pé esquerdo, disfarçadamente, e guardou-a no bolso. Iniciou seu intento. Sentou bem na ponta da cadeira e esticou a perna para agarrar um dos sapatos entre o dedão e o dedo vizinho. Faltou perna. Colocou uma das mãos na ponta da cadeira e, afundando um pouco por baixo da mesa, fez nova tentativa. Sentiu o sapato roçar na sola do pé. Procurou sua borda e, fazendo do pé um alicate, preparou-se para arrastá-lo até si. Neste momento ele sentiu uma mão acariciar sua orelha. Só então se deu conta que, para alcançar seu objetivo, esticou sua cabeça para o lado direito, repousando-a gentilmente nos ombros da senhora que estava ao seu lado. Embora ficasse sem graça, não desgarrou o sapato e, enquanto procurava se ajeitar na cadeira, arrastava-o para perto de si, ao mesmo tempo em que sussurrava uma desculpa à senhora, alegando uma câimbra repentina. A gentil senhora, com o rosto iluminado por um sorriso e um certo brilho do olhar, respondeu-lhe também num sussurro:
- Não se preocupe, meu jovem, vivo passando por isso também.
- Obrigado por sua compreensão!
- A propósito, gostei do teu perfume!
- Obrigado!
- Ele é tão... tão...
- Sim!
- Tão voluptuoso!
- Desculpe se a incomodei, disse ele sem graça.
- Não incomodou em nada, meu jovem.
- Obrigado!
- Mas que ele é, pode ter certeza que é!
- Como?
- Voluptuoso!
Ele não respondeu, mesmo porque, não saberia como fazê-lo. Limitou-se a lhe sorrir um sorriso de pedidos de desculpas e terminar de se ajeitar na cadeira.
Meia tarefa estava cumprida. “Pescara” o sapato do pé direito. Calçou-o. Tomou fôlego. Deu uma golada no café que lhe fora colocado pelo copeiro. Era preciso prestar atenção na reunião, mas, para ele, era mais importante ainda alcançar o outro pé de sapato e acabar com aquela agonia. Segurou novamente a borda da cadeira e, já com os dedos dos pés abertos, voltou à “pesca”. Teve sorte em atingir o seu objetivo na primeira tentativa, mas, como no lance anterior, bandeou para o lado de sua vizinha de mesa e, azar dos azares, enfiou seu cotovelo na xícara de café da bondosa senhora. Ganhou uma dor miserável no joelho esquerdo ao batê-lo violentamente na borda da mesa quando tentou se ajeitar rapidamente – ato instintivo que teve assim que enfiou o cotovelo em lugar impróprio; uma tremenda dor nas costas com todo este show de contorcionismo; uma imensa mancha no seu terno preferido; e a atenção de todos os presentes. Sentiu-se na obrigação de desculpar-se:
- Perdão! Tive uma câimbra repentina!
- Já é a segunda, meu jovem, disse-lhe a boa senhora, precisa de mais potássio. Come bananas que ajuda.
- Obrigado pela dica. Vou me lembrar disso.
Uma copeira limpou imediatamente a mesa, recolheu a xícara, e trouxe um outro café para a senhora. Felizmente para o novato, todos aceitaram o incidente como algo comum e a reunião foi reiniciada sem nenhum problema. Sentindo-se aliviado e ao mesmo tempo vitorioso por sair daquela situação constrangedora, tratou de calçar o sapato recuperado. Mas, quando foi ajeitá-lo calçá-lo, a surpresa – era um sapato feminino! Tentar fazer a troca estava fora de cogitação. O melhor a fazer seria calçar aquele sapato mesmo e esperar pelo final da reunião. Com certeza a dona dele ficaria feliz de fazer a troca.
Cinqüenta minutos depois a reunião foi encerrada. Enquanto fingia arrumar os documentos, esperou que os outros saíssem a fim de encarar aquela que cometera o mesmo erro que ele. Quando achou que todos tinham se levantado, ergueu a cabeça em busca de sua salvação. Do outro lado da mesa, com a expressão mais patética do mundo, uma mulher dirigia-lhe um olhar fulminante. Ia tentar se justificar quando ouviu a voz do presidente:
- É melhor se apressarem. A exposição a qual me referi acontecerá dentro de dez minutos.
Ambos levantaram e, tentando andar o mais naturalmente possível, saíram mancando da sala. Lá fora ele se aproximou dela e tentou ser o mais sucinto possível:
- Parece que temos algo em comum!
- O certo não seria incomum?
- É melhor trocarmos os sapatos.
- Acho uma excelente idéia!
Devidamente calçados cada um se dirigiu para o salão onde os outros já se encontravam, tomando o cuidado de ficarem tão longe quanto possível um do outro!
Roberto Policiano
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