Lapidação
Dezessete de novembro de dois mil e doze,
três horas e trinta minutos da madrugada. Acordou com uma pedra na cabeça. Não
era uma pedra qualquer, mas, antes, uma pedra determinada, que parecia que
sabia o que queria. Ela insistia em permanecer na cabeça de quem despertara
naquela manhã e pedia, ou melhor, comandava, que se escrevesse a respeito de
si. Como que para facilitar a escrita, a pequena rocha ora se mostrava, ora se
escondia, a fim de direcionar a mente que deveria descrevê-la. Era como se dentro
dela já houvesse uma pré-lapidação, que ela, ansiosa, tentava mostrar. Pareceu ao
cérebro pensante que a pedra, não querendo ficar escondida entre outras pedras
espalhadas no trajeto, lançava-se na ideia de quem despertara para assumir tal
compromisso. Porém o corpo da mente desperta permanecia inerte no aconchego do
cobertor naquela madrugada chuvosa. Mas quem dorme com uma pedra na cabeça?
Assim, embora o corpo permanecesse estagnado, o cérebro começou a lapidar a
pequena rocha, não como ele queria, mas conforme percebia na exibição da própria pedra,
que literalmente se despia com a descarada intenção de sedução. E,
gradativamente, aquele simples seixo deu lugar a uma gema interessante, sempre
ao comando da pedra que, fenomenologicamente, se desvendava àquele a quem caiu
a escolha para realizar o trabalho de lapidação. Enquanto o corpo permanecia
adormecido e aconchegado à cama e devidamente agasalhado, o cérebro tirava
lascas da pedra bruta com o mesmo cuidado de mãos treinadas que transformam
diamantes brutos em belas e valiosas joias. Quando, por fim, a gema parecia quase
completa, a mente ainda tentou fazer algumas aparas aqui e ali, mas, sob o
comando da ex-pedra, que agora exibia seus contornos desejados, parou no ponto
onde fora ordenada, restando-lhe a missão de nomear a obra de arte
recém-formada. E, depois de uma reflexão sobre o trabalho a que foi conduzida
naquela madrugada, batizou o resultado de “Pedra fenomenológica”.
Dezessete de novembro de
dois mil e doze, oito horas e quarenta e três minutos. O corpo, agora
plenamente desperto, digitava o texto acima sob o comando da mente que procurava
transmitir às mãos os detalhes do seixo lapidado e cuidadosamente guardado para
ser registrado nesta crônica.
Roberto Policiano
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