Roberto Policiano

31 de jul. de 2013

Gelada



Passava um pouco das seis horas da manhã quando embarquei no trem. A primeira impressão que tive foi de que o condutor – antigo maquinista – era novo de profissão e levava consigo ainda os costumes da última função. Eu deduzi que ele trabalhara em uma empresa de conservação de alimentos, haja vista que os carros da composição – antigamente chamados de vagões – mais pareciam câmaras frigoríficas, dado o ambiente gélido produzido pelo aparelho de ar condicionado. Embora a temperatura externa estivesse quente, muitos passageiros estavam agasalhados. Entre eles um casal de namorados trocavam elogios. Em certa altura da conversa deles aconteceu o seguinte diálogo:

- Benziiiiiiiiinhooooooooooo!

- Huuuuuuuuuummmmmmmmmmmmm!

- Alguém está falando bem de você.

- Poooorrr   quuuuuuêêêê?

- Sua orelha direita está gelaaaaaaaaaaaaaada!



Roberto Policiano

24 de jul. de 2013

Tão Simples



Tu vais;

Chegas;

Entras;

Ficas;

E pronto!


Roberto Policiano

17 de jul. de 2013

Alguém





"Alguém vai ter que: Explicar... Pagar... Fazer... Limpar..."

Mas quem é este alguém? Onde ele se encontra? Perguntas difíceis de serem respondidas. Não se encontra nenhuma pista. Nos verbos, por exemplo: Eu faço; Tu fazes; Ele faz. Mas e alguém? Onde ele atua? Consegue se camuflar entre o pronome ele, sem, no entanto, ser ele. Na realidade, para sua comodidade, segurança e invisibilidade, prefere atuar no plural, mas, ainda assim, não sai de seu esconderijo. Não é um de nós, tampouco um de vós, esconde-se entre eles, sem ser nenhum deles!

Exemplificando: “Quem pegou o pão que estava aqui?”.

Eu não fui; Tu não foste; Ele não foi; mas foi alguém. Como vimos a estratégia é se esconder atrás do pronome ele!

E não é só no verbo que alguém se camufla, mas também no gênero, visto que pode ser tanto masculino quanto feminino. Aproveita ainda a faixa etária para se esconder, posto que pode ter qualquer idade.

Se, por ventura, a investigação sobre o desaparecimento do pão for aprofundada, o assunto fica ainda mais misterioso. Continuemos, portanto, a questão:

 “Todos devem permanecer no local até que o culpado seja descoberto”.

Ouve-se então a resposta:

“Mas não foi ninguém!”.

Eis aqui uma solução envolta em mistério. A expressão “não foi ninguém”, na realidade, isenta-o da culpa, pois a negativa “não foi”, aponta para outra pessoa, mas quem? Na certa foi alguém!

Agora, se se afirmasse: “FOI ninguém”, pronto! Estava identificado o ladrão, e, como resultado, NINGUÉM seria responsabilizado pelo roubo e receberia a devida pena.

Hércules Poirot concluiria, num piscar de olhos e numa torcidinha numa das pontas de seu inusitado bigode, que Alguém está, na realidade, sempre disfarçado de Ninguém.

Alguém sempre é apontado como o responsável por tudo o que há de errado e, como nunca se consegue a identificá-lo, acaba que ninguém sofre as consequências.

O assunto é tão complicado que, se fizessem a pergunta: “Conhece alguém que...”, a resposta mais prudente é: “Perdoe-me, mas eu sou novo por aqui e não conheço ninguém”.

Pergunta-se por alguém, mas que resposta se dá?  “Não conheço Ninguém”.

Estranho, muito estranho, não achas?

É melhor não responder, vai que...
 
 
Roberto policiano

10 de jul. de 2013

Deserto



 
Dunas e sol escaldante;

Ar aquecido ondeia diante de si;

Boca ressequida;

Lábios rachados;

Segue caminhando.

Tropegamente cambaleia.

O solo do deserto

Queima as solas de seus pés.

Anseia por água, mas se depara com a aridez.

Visualiza um lago;

Arrasta-se até ele;

Enche a sua boca;

Era apenas uma miragem!

A farofa de rocha apega-se à mucosa;

Cospe em desespero;

A saliva, como cola, dificulta a operação.

Segue cambaleante.

Vê novo corpo de água,

Mas não tem certeza se é real.

Chega com cuidado,

Tateando para se certificar da veracidade da percepção.

Sorri ao sentir o líquido em seus dedos.

Mergulha com roupa e tudo;

Sacia a sede pela boca e pelos poros;

Encharca-se na fonte;

Entrega-se ao êxtase do momento.

A caminhada precisa ser retomada.

Dias transformam-se em semanas

E a sequidão volta ao organismo.

Novas miragens se apresentam,

Mas o tatear preventivo é usado.

Tenta iludir-se bebendo a própria saliva,

Embora ciente da inutilidade do ato.

Ergue os olhos;

Mira o horizonte;

Vira-se para o Leste;

Encara o Oeste;

O deserto parece interminável.

A vontade de desistir é grande,

Mas insiste em prosseguir.



Roberto Policiano

3 de jul. de 2013

Paçoca



Passageiros cruzam-se apressados na estação Luz do metrô da cidade de São Paulo. Alguns se dirigem para a linha Azul, enquanto outros se encaminham para a linha Amarela. Ainda um terceiro grupo vão em direção à estação da CPTM – Companhia Paulista de Trens metropolitano. Se fosse tão simples seria muito bom, mas não é. Pessoas apressadas saem de um destes três pontos para um dos dois mencionados,ou para a saída da estação, de modo que fluxos multidirecionais de multidões com pressa se entrecruzam em vários pontos do trajeto. Acrescente a esta onda de profissionais o fato de que a velocidade entre cada um deles é bastante diversas dos demais, gerando manobras de ultrapassagens e brecadas violentas para evitar choques e tente imaginar a cena – algo bem parecido a um formigueiro em plena atividade. Todos, menos um, tentam chegar a seus destinos o quanto antes. Este único traja uma bermuda bem larga, verde pálido, cuja barra está delicadamente presa por um acessório de pano seguro por um botão; uma jaqueta de algodão florida, em tom pastel, cuja largura permitia que o ar fluísse facilmente, permitindo ao usuário uma sensação de frescor; um chapéu de brim; um par de chinelões que, de tão folgado, permite que os pés dancem em seu interior. Como uma clara mensagem de que a pressa não leva a lugar nenhum, segue o nosso personagem a passos de turistas, cuja principal preocupação é partir a paçoca de amendoim com cuidado para não deixar cair nenhum pedacinho daquela gostosura, que ele faz questão de saborear vagarosamente.


Roberto Policiano