Roberto Policiano

9 de out. de 2013

Seu Pedrinho



Já aos cinco anos ele mostrou-se prestativo. Quando viu dona Cida chegando da feira com duas sacolas abarrotadas, se prontificou em ajudar. Não houve quem o convencesse de que ele não tinha força suficiente para carregar a sacola. Literalmente cercou a vizinha, constrangendo-a ao insistir em auxiliá-la. Ainda bem que o seu Dito, que se dirigia a casa para almoçar e se interar do assunto, achou uma solução. E lá foi o pequeno Pedro caminhando abraçando uma penca de bananas que fez questão de depositar em cima da mesa da cozinha da dona das compras. Como recompensa de sua boa ação, saiu de lá com uma mexerica na mão e um sorriso deste tamanho.

Desde então o menino viveu para servir, houvesse ou não recompensa, pois a maior satisfação, dizia ele quando já era um homem feito, era se sentir útil. Não havia nada que seu Pedrinho, como era carinhosamente tratado por todos, não soubesse fazer, ou melhor, havia uma, apenas uma, que o deixava chateado quando tocava no assunto. Não conseguia ler uma letra sequer, embora não faltasse esforço de sua parte e de muitos que o tentaram ajudá-lo. Alguém precisava consertar um vazamento no encanamento? Remover um entulho? Fazer alguma compra? Levar algum recado? Carpir um terreno? Companhia para adoentado? Viajar para pegar alguma encomenda? Levantar de madrugada para assegurar um lugar numa fila qualquer? Construir um muro? Refazer uma cerca? Tratar de animais de estimação nas férias – curtas ou longas? Ajuda para carregar ou descarregar mudança? Estava lá o seu Pedrinho, muitas vezes sem ser solicitado, pois na pequena cidade onde ele morava todos se conheciam e não havia necessidade alheia que o homem não ficasse a par e, consequentemente, corresse para acudir, como se dizia então. E a satisfação de ajudar, embora lá se fossem setenta anos desde sua primeira prontidão, não diminuiu um pouquinho assim, ó!

Embora quase um octogenário, seu Pedrinho nunca fora empregado, porém sempre teve trabalho. Jamais se casou e nem pensou neste assunto. Ninguém jamais o viu reclamar da sorte, tampouco das recompensas que recebia pelas ajudas que prestava, embora muitas delas fossem bastante modestas, tendo em vista a família que era socorrida então. Parece que era nestas ocasiões em que o homem se sentia mais gratificado ainda.

Quando Agenor precisou buscar uma encomenda no armazém do Arlindo, correu até o casebre do Pedrinho a fim de solicitar seus serviços. Cansou de bater palmas, mas ninguém o atendeu. Naquele momento dona Alberta passava na rua e, ao assistir a cena, desconfiou e, desviando sua rota, entrou na casa do homem e, confirmando seu instinto, o encontrou acamado. A febre ardia por todo o corpo do doente. Imediatamente o dono do único carro do lugarejo foi avisado e, deixando o que estava fazendo e socorreu o moribundo. Ajudado por Agenor e dona Alberta, levaram-no imediatamente ao posto de saúde, distante sessenta quilômetros do lugar. Por sorte havia um médico de plantão. O homem foi examinado, medicado, e, por cerca de três horas, permaneceu em observação. Voltou para casa com um pacote de medicamentos e um encaminhamento para exames a fim de averiguar com mais profundidade o motivo do adoecimento.

Dona Alberta se transformou em enfermeira e fez questão de dar os remédios ao doente de acordo com a prescrição, não adiantando nem atrasando um minuto sequer, mesmo tendo que se levantar de madrugada para se dirigir à casa de seu Pedrinho só para ofertar o medicamento. Além do mais, se ocupou da arrumação da casa, preparação dos alimentos e lavagem das roupas. Foi então que seu Pedrinho descobriu que possuía uma família, mesmo morando só.

O próprio Agenor cuidou de ir ao hospital a fim de marcar os exames solicitados pelo médico, mas havia uma fila extensa de pacientes que esperavam sua vez, de modo que seu Pedrinho e seus vizinhos tiveram que ser pacientes em aguardar a realização do exame. A espera levou meses, e quando foi finalmente liberado, o dia agendado seria dali a trinta dias. O moribundo conseguiu esperar apenas vinte e oito dias e, não resistindo à moléstia, foi vencido pela doença não obstante os esforços de dona Alberta. Aquele homem prestativo, que viveu para servir, não foi atendido num exame simples e barato, morrendo na fila de espera.

Naquele ano o serviço de saúde festejou o resultado da estatística que indicava que o atendimento à população carente teve um acréscimo de dez por cento quando comparado com os atendimentos oferecidos no ano anterior!


Roberto Policiano