Seu Pedrinho
Já aos cinco anos ele mostrou-se prestativo. Quando viu dona
Cida chegando da feira com duas sacolas abarrotadas, se prontificou em ajudar.
Não houve quem o convencesse de que ele não tinha força suficiente para
carregar a sacola. Literalmente cercou a vizinha, constrangendo-a ao insistir
em auxiliá-la. Ainda bem que o seu Dito, que se dirigia a casa para almoçar e se
interar do assunto, achou uma solução. E lá foi o pequeno Pedro caminhando
abraçando uma penca de bananas que fez questão de depositar em cima da mesa da
cozinha da dona das compras. Como recompensa de sua boa ação, saiu de lá com
uma mexerica na mão e um sorriso deste tamanho.
Desde então o menino viveu para servir, houvesse ou não
recompensa, pois a maior satisfação, dizia ele quando já era um homem feito,
era se sentir útil. Não havia nada que seu Pedrinho, como era carinhosamente
tratado por todos, não soubesse fazer, ou melhor, havia uma, apenas uma, que o
deixava chateado quando tocava no assunto. Não conseguia ler uma letra sequer,
embora não faltasse esforço de sua parte e de muitos que o tentaram ajudá-lo.
Alguém precisava consertar um vazamento no encanamento? Remover um entulho?
Fazer alguma compra? Levar algum recado? Carpir um terreno? Companhia para
adoentado? Viajar para pegar alguma encomenda? Levantar de madrugada para
assegurar um lugar numa fila qualquer? Construir um muro? Refazer uma cerca?
Tratar de animais de estimação nas férias – curtas ou longas? Ajuda para
carregar ou descarregar mudança? Estava lá o seu Pedrinho, muitas vezes sem ser
solicitado, pois na pequena cidade onde ele morava todos se conheciam e não
havia necessidade alheia que o homem não ficasse a par e, consequentemente,
corresse para acudir, como se dizia então. E a satisfação de ajudar, embora lá
se fossem setenta anos desde sua primeira prontidão, não diminuiu um pouquinho
assim, ó!
Embora quase um octogenário, seu Pedrinho nunca fora
empregado, porém sempre teve trabalho. Jamais se casou e nem pensou neste
assunto. Ninguém jamais o viu reclamar da sorte, tampouco das recompensas que
recebia pelas ajudas que prestava, embora muitas delas fossem bastante
modestas, tendo em vista a família que era socorrida então. Parece que era
nestas ocasiões em que o homem se sentia mais gratificado ainda.
Quando Agenor precisou buscar uma encomenda no armazém do
Arlindo, correu até o casebre do Pedrinho a fim de solicitar seus serviços.
Cansou de bater palmas, mas ninguém o atendeu. Naquele momento dona Alberta
passava na rua e, ao assistir a cena, desconfiou e, desviando sua rota, entrou
na casa do homem e, confirmando seu instinto, o encontrou acamado. A febre
ardia por todo o corpo do doente. Imediatamente o dono do único carro do
lugarejo foi avisado e, deixando o que estava fazendo e socorreu o moribundo.
Ajudado por Agenor e dona Alberta, levaram-no imediatamente ao posto de saúde,
distante sessenta quilômetros do lugar. Por sorte havia um médico de plantão. O
homem foi examinado, medicado, e, por cerca de três horas, permaneceu em
observação. Voltou para casa com um pacote de medicamentos e um encaminhamento
para exames a fim de averiguar com mais profundidade o motivo do adoecimento.
Dona Alberta se transformou em enfermeira e fez questão de
dar os remédios ao doente de acordo com a prescrição, não adiantando nem
atrasando um minuto sequer, mesmo tendo que se levantar de madrugada para se
dirigir à casa de seu Pedrinho só para ofertar o medicamento. Além do mais, se
ocupou da arrumação da casa, preparação dos alimentos e lavagem das roupas. Foi
então que seu Pedrinho descobriu que possuía uma família, mesmo morando só.
O próprio Agenor cuidou de ir ao hospital a fim de marcar os
exames solicitados pelo médico, mas havia uma fila extensa de pacientes que
esperavam sua vez, de modo que seu Pedrinho e seus vizinhos tiveram que ser
pacientes em aguardar a realização do exame. A espera levou meses, e quando foi
finalmente liberado, o dia agendado seria dali a trinta dias. O moribundo
conseguiu esperar apenas vinte e oito dias e, não resistindo à moléstia, foi
vencido pela doença não obstante os esforços de dona Alberta. Aquele homem
prestativo, que viveu para servir, não foi atendido num exame simples e barato,
morrendo na fila de espera.
Naquele ano o serviço de saúde festejou o resultado da
estatística que indicava que o atendimento à população carente teve um
acréscimo de dez por cento quando comparado com os atendimentos oferecidos no
ano anterior!
Roberto Policiano
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