Roberto Policiano

31 de dez. de 2014

Linha do tempo - IV




O mundo deu outra volta

E por isso me compete

Alertar-te deste fato, parceiro,

Tu já tens cinquenta e sete.

Cinquenta e sete, parceiro,

Cinquenta e sete,

Alertar-te a mim compete,

Fizeste Cinquenta e sete!


Cuides do corpo e da mente

Tires os olhos do croquete

Enches a boca de semente, colega,

Tu já tens Cinquenta e sete.

Cinquenta e sete, colega,

Cinquenta e sete,

Tires os olhos do croquete,

Fizeste Cinquenta e sete!


Caias na real, amigo,

Tu não és mais um grumete,

Ouças bem o que te digo, amigo,

Tu já tens Cinquenta e sete.

Cinquenta e sete, amigo,

Cinquenta e sete,

Ouças bem o que te digo,

Fizeste Cinquenta e sete!


Abaixes a bola, meu chapa,

Não brinques com canivete,

Do tempo ninguém escapa,

Tu já tens Cinquenta e sete.

Cinquenta e sete, meu chapa,

Cinquenta e sete,

Do tempo ninguém escapa,

Fizeste Cinquenta e sete!


O tempo passa voando

E com todos se diverte,

Completaste mais um ano, meu caro,

Tu já tens Cinquenta e sete.

Cinquenta e sete, meu caro,

Cinquenta e sete,

Completaste mais um ano,

Fizeste Cinquenta e sete!



Roberto Policiano

24 de dez. de 2014

Julgamento




A mulher chegou a casa após um dia exaustivo de trabalho. Ao entrar viu o carro na garagem. De lá mesmo visualizou o marido deitado no sofá. Colocou a bolsa na prateleira entre os vasos de plantas, pegou a mangueira, o xampu, o pano macio e lavou o veículo, que usaria cedo, no dia seguinte.

Pergunta: Por que a mulher lavou o carro?

Tempo para pensar na resposta – um minuto.

...

Tempo para refletir na resposta fornecida – dois minutos.

...

...

Conclusão: Por mais elaborada que tenha sido a resposta não passa de uma criação!

Os elementos fornecidos foram: Uma mulher que chegou do trabalho; um carro na garagem; um homem deitado no sofá; o ato da mulher de lavar o carro.

Pergunta: De onde foram tirados os demais elementos para se chegar ao veredicto?

Resposta: Da experiência de vida da pessoa que julgou.

Percebeu o erro? Foram usados elementos conhecidos de experiências pessoais para fazer o julgamento de ações de pessoas totalmente desconhecidas.

A resposta fornecida, seja ela qual for, está repleta de julgamentos baseados em situações vividas pela pessoa que julgou, ou por alguém conhecido por ela. Pode ter sido influenciada também por informações que leu, assistiu, ou soube de outros modos.

O teor da resposta também foi influenciado pelas emoções experimentadas pelas situações mencionadas acima.

 Por exemplo, se foi uma emoção negativa, provavelmente foi apontado um culpado ou uma culpada.

O mesmo pode-se dizer dos argumentos, explicações, desculpas fornecidas para se chegar à resposta dada.

Há também que se levar em conta o viés da conclusão, dependendo se foi um homem ou uma mulher que a forneceu.

Diversos elementos poderiam ser incluídos para percebermos que muitas coisas são levadas em conta ao se fazer um julgamento, que necessariamente não fazem parte dos elementos reais da questão.

E o mais assustador é que a pessoa que forneceu a resposta tem a convicção de que fez um julgamento imparcial.

Quantas vezes nossas certezas são baseadas em apoios totalmente infundados!


Roberto Policiano

17 de dez. de 2014

Salmões do pacífico




Chega a hora de partir.

A viagem é longa, cansativa e perigosa.

O êxodo é iniciado.

O imenso cardume sai do Oceano Pacífico.

Seu destino é a água doce e gelada.

Os salmões são esperados por orcas,

Leões marinhos,

Tubarões

E aves de rapina.

Todos estão famintos.

O encontro torna-se, para muitos, o fim da viagem,

Mas a maioria segue nadando.

O primeiro ponto de espera é um riacho pedregoso e raso.

É preciso vir a chuva para prosseguir.

Quando ela finalmente chega a viagem é retomada.

O barulho das corredeiras indica que a parte penosa do trajeto está perto;

Além de nadar é preciso pular para escalar cachoeiras,

Mas os viajantes não desistem.

Novamente se deparam com águas rasas.

Um bando de ursos espera para recepcioná-los.

Novo banquete acontece.

Poços mais profundos os protegem dos predadores,

Mas podem tornar-se armadilhas onde muitos são vitimados por bactérias.

Novas chuvas incentivam a retomada da jornada.

O cardume, reduzido, mas ainda imenso, segue na trajetória.

Novas cachoeiras precisam ser escaladas, onde os ursos, ladeando-as, esperam pela refeição.

Os salmões seguem em frente, uns pulando para a vida, outros para a morte,

Pois é imperioso continuar.

Três mil quilômetros depois os migrantes chegam ao destino exaustos e famintos,

Mas o lugar não está solitário;

Dezenas de ursos os aguardam.

É preciso acumular gordura para o próximo período de hibernação!

Na situação em que se encontram os peixes quase não oferecem resistência.

Aves de várias espécies chegam para a festa;

Há comida em abundância para todos.

Os sobreviventes podem finalmente cumprir a missão de procriar.

Milhões de ovos serão fecundados,

Mas os pais não conhecerão sua prole;

Todos, machos e fêmeas, morrerão de exaustão.

A missão não termina com a morte.

Suas carnes alimentarão muitas espécies – cerca de duzentas.

Além do Mais, os nutrientes de seus corpos servirão para alimentar animais e plantas,

Muitos deles vivendo a quilômetros de distância.

Os ovos fecundados tornam-se iguarias apreciadas

Por outras espécies de peixes e bandos de aves migratórias;

Outro banquete dizima os salmões mesmo antes de eles nascerem.

Finalmente os alevinos aparecem,

A maioria deles para ser devorada por predadores famintos.

Os sobreviventes, terminado o período de berçário,

Iniciam a viagem em direção ao Oceano Pacífico.

A maior parte deles sucumbirá no trajeto longo e perigoso.

Apenas quatro por cento deles chegarão sãos e salvos.

Passarão a vida no Oceano Pacífico.

No momento propício eles tentarão retornar às águas doces e geladas para, talvez, deixarem descendentes.


Roberto Policiano

10 de dez. de 2014

Ser... Ou ser




Num campinho de futebol improvisado em três terrenos baldios contíguos, um grupo de meninos jogava bola. Nenhum deles levava relógio, portanto, a partida não tinha hora para terminar. Depois de exaustiva disputa os atletas simplesmente deixaram cair seus corpos na grama que cobria o solo e esperaram pela recuperação. Nada se ouvia a não ser o movimento do ar das respirações aceleradas deles. Gotas de suor fluíam de todos os poros. Em pouco tempo suas roupas ficaram grudadas na pele. Pernas e braços, abertos e abandonados molemente, totalmente suarentos, atraiam as lâminas gramíneas para si. Vários minutos se passaram. Os olhos ardiam com a invasão do fluído salgado provocado pelo cansaço. Cada um dos jogadores foi recuperando o fôlego paulatinamente. Uma preguiça agradável amoleceu cada fibra dos músculos dos garotos. A quietude e o sossego reinaram por um bom tempo até que um deles, contagiado pelo entusiasmo da peleja, comentou:

            - Como é bom jogar bola!

            - Nem me fale. Se a gente pudesse fazer só isso a vida inteira!

            - Os jogadores profissionais só fazem isso.

            - Que sorte a deles!

            - Eu queria ser um deles.

            - Eu queria ser o “A”.

            - Eu prefiro ser o “B”.

            - E eu o “C”.

            - Meu Sonho é ser o “D”.

            - Legal mesmo seria ser o “E”

            E assim, cada um escolheu ser um jogador famoso, menos o Tico.

            - E você, Tico, quem deseja ser?

            - Eu quero ser eu mesmo!

            - O quê? Você não deseja ser ninguém famoso?

            - Claro que não!

            - Por quê?

- Pra ser outra pessoa eu tenho que morrer!

- Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah! Ah!

- Ca! Ca! Ca! Ca! Ca! Ca! Ca! Ca! Ca! Ca! Ca! Ca! Ca! Ca! Ca! Ca! Ca!

- Ih! Ih! Ih! Ih! Ih! Ih! Ih! Ih! Ih! Ih! Ih! Ih! Ih! Ih! Ih! Ih! Ih! Ih! Ih! Ih! Ih! Ih!

- Ra! Ra! Ra! Ra! Ra! Ra! Ra! Ra! Ra! Ra! Ra! Ra! Ra! Ra! Ra! Ra! Ra!

 - Ri! Ri! Ri! Ri! Ri! Ri! Ri! Ri! Ri! Ri! Ri! Ri! Ri! Ri! Ri! Ri! Ri! Ri! Ri! Ri! Ri!

- Porque você acha isso, Tico?

E ele, com um leve e sutil sorriso quase imperceptível, com uma nano puxadinha no canto esquerdo da boca, enigmatizando sua expressão facial, fincou os cotovelos na grama onde estava deitado e, com os indicadores esticados e os demais dedos encolhidos, enquanto girava suas duas mãos desenhando espirais no ar, ora em sentido horário, ora do lado contrário, culminando, depois de sua fala, com as palmas das mãos viradas para o céu, respondeu:

- Se eu for ser outra pessoa, quem vai ser eu mesmo?



Roberto Policiano

3 de dez. de 2014

Insônia



A madrugada chegou.

O sono foi até o toalete.

A espera é longa.

O som da chave girando, no entanto,

Indica que o sono foi viajar.

O corpo, ainda indolente,

Delata que a saída foi antecipada.

Unhas e dentes afiados

Arrancam lascas de minutos do tempo,

Que são colocadas ao lado do corpo

Tornando o leito desagradável.

Qualquer movimento fere e sangra.

Um tumulto invade o pensamento

Com falatórios entrecruzando-se.

Uma avalanche de imagens

Ocupa os espaços despercebidos pelos discursos.

Sentimentos dilaceram o cérebro já tomado.

Buscando alívio o corpo deixa a cama

E perambula até a poltrona da sala.

Os minutos parecem acorrentados.

Contradizendo muitos filósofos

Há uma clara dicotomia

Entre a mente desperta

E o corpo adormecido.

Filetes do dia esfiapam a noite

Que, de má vontade, cede seu lugar.

É preciso aprontar-se para a rotina,

E o corpo, qual escravo,

É arrastado para os compromissos.


Roberto Policiano