Roberto Policiano

2 de mar. de 2011

Fluidez



Quando levantou os olhos deparou com uma cena que o deixou perturbado. Viu o seu amigo de infância, Benjamim, descendo a ladeira apoiando-se em uma bengala. Não podia ser verdade... Benjamim... como? Lembrou dos dois brincando juntos com os outros meninos nos tempos de infância. “Parece que foi ontem!”, exclamou para si mesmo. A visão do amigo naquela situação o levou a refletir sobre as condições dos outros. Jacinira, por incrível que pareça, já era avó. Zé Biló se aposentou já fazia alguns anos. O Chinéu desapareceu e ninguém nunca jamais teve notícias suas. Dezanélia, após o casamento, mudou-se para outro estado e não se houve falar dela. Bozito perdeu quase todos os cabelos, sobrando-lhe, para consolo, apenas os fios laterais. Janite está com todos os cabelos brancos, parecendo um algodão doce. Quatro deles não agüentaram chegar até aquele momento e já não existem mais, a não ser na memória dos parentes e amigos mais achegados. Dali sua mente deu um pulo e chegou até os famosos de sua época. Aqueles que já foram galãs e ainda atuavam faziam papéis de avós. As músicas de sua época, que costumavam tocar em todas as rádios, há muito não se escuta. Quem quiser ouvi-las, terá que comprar um CD, se conseguir achar algum à venda. Voltou a si e às coisas comuns. Seu bairro, por exemplo, como havia mudado! De um relance, girou a cabeça para a direita e para a esquerda a fim de ter uma visão panorâmica do lugar. Tudo havia mudado, e muito. Teve sua reflexão interrompida por um grupo de jovens que subiam a ladeira em direção ao colégio. Como se aquilo fosse a coisa natural a fazer, comparou-os com os seus colegas de escola. Tudo era muito diferente, as roupas, os calçados, o corte dos cabelos, os adereços, as conversas. Lembrou dos empórios de antigamente e os comparou com os supermercados de agora. Isso o levou, naturalmente, a relembrar das marcas que faziam parte de “seu tempo” e que já não se encontram nas prateleiras. A questão não é se eram melhores ou piores, mas, sim, o fluir do tempo, se bem que, como sustentam alguns filósofos, o tempo não flui. Seja como for, pensou teimosamente, o tempo passou, ou nós passamos, apesar de que, para ele, era tudo a mesma coisa. Olhou para si mesmo, seus braços, suas mãos, suas pernas, seus pés, seu calçado, suas roupas e concluiu: “Não sou o mesmo, embora, distraído pelos afazeres da vida, mudei e nem me dei conta”. E, como não podia perder tempo em pensar se é a vida ou o tempo que passa, ou se é outro fenômeno que acontece, raciocinou que viver é saborear cada momento no aqui e agora. Assim, desemaranhou-se das amarras do passado e das incertezas do futuro. Decidiu não se torturar por pensar que a vida, em outras épocas ou em outro lugar, poderia ser muito melhor, pois, “PODERIA”, concluiu dando ênfase à palavra, é muito incerto para permitir que perturbe quem quer que seja!


Roberto Policiano

2 Comments:

At 6:05 PM, Anonymous Ana said...

A vida é um salto de gazela. Também eu, às vezes, olho para trás e não me reconheço.
Um texto intimista e reflexivo: gostei.

 
At 6:55 PM, Anonymous Roberto Policiano said...

Sempre é bom olhar para trás, Ana, principalmente quando nos leva à reflexão! Grande Abraço

 

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