Pedro, a pedra, e o caminho
O velho Pedro, como era seu costume, acordou bem de manhãzinha, preparou o café da manhã e acordou a sua neta, a Pedra - chamada carinhosamente por todos de Pedrinha– e, depois de tomarem o desjejum, saíram os dois, avô e neta, numa caminhada de dois quilômetros que separava a casa onde moravam e a escola da Pedrinha. Na verdade a distância seria bem maior se fossem pela estrada, mas os dois pegavam um atalho pelo sítio da família. Além de caminharem menos, podiam admirar a natureza em sua labuta diária. O caminho estava encharcado, pois no dia anterior havia chovido torrencialmente.
Estavam os dois conversando animadamente quanto depararam com uma imensa pedra que, com a chuva, fora deslocada da montanha onde deveria estar já por milhões de anos e, rolando e destruindo todas as pequenas plantas que havia em seu trajeto, parou, como que num capricho, bem no meio do caminho. E agora, o que fazer com uma pedra no meio do caminho?
Veio um poeta e fez do acontecimento um poema.
Um escultor, ao ficar sabendo do ocorrido, foi imediatamente para o local com uma marreta e uma talhadeira. Depois de examinar a pedra de todos os ângulos, procurou ouvir o que ela tinha a lhe dizer, para isso colocou o ouvido direito na pedra e escutou atentamente cada centímetro da sua superfície. Como não conseguiu ouvir nada, ascendeu-se sua ira e, num acesso de fúria, golpeou a pedra violentamente com sua marreta e gritou:
- Parla!
A pedra, trêmula e assustada, soltou um murmúrio quase inaudível, que só o escultor ouviu - dizem que eles são hábeis em ouvir rocha – e, contente com o que lhe fora revelado, armou-se de suas ferramentas e, trabalhando vários dias, mordendo a ponta da língua com os dentes da frente a cada golpe que infligia na pedra, fez dela uma bela estátua, aumentando o legado cultural da humanidade. Saiu tão satisfeito que não percebeu que a estátua estava com um dos joelhos inchado, talvez em razão da marretada que levara quando ainda não passava de uma rocha.
Já o psicanalista, ao estudar a pedra atentamente, dividiu-a horizontalmente com um giz em três partes: a parte inacessível que mantinha contato com o solo, a parte intermediária e a parte da superfície, depois, analisando-a melhor, procurou apagar a primeira divisão, cuja marca pode ser vista ainda hoje, e dividiu a pedra perpendicularmente deixando uma parte sem condições de ser acessada, mas as duas outras, embora deixasse partes de cada uma delas também impossível de ser alcançada, as outras áreas delas podiam, com muito trabalho é verdade, ser acessada por alguém habilitado.
O filósofo, ao ter o primeiro contanto com o ente, ou seja, a pedra, despiu-se de tudo que já ouvira falar sobre rochas, deu um passo pra trás, e fez uma profunda reflexão a fim de descobrir a essência dela. No entanto seu aluno predileto resolveu ir além do mestre e ocupou a vida toda em tentar achar o significado daquele ente-que-uma-vez-enterrado-na-montanha-foi-deslocado-dela-e-rolando-e-esmagando-tudo-que-encontrou-no-trajeto-de-seu-ponto-de-partida-até-seu-ponto-de-chegada-veio-a-parar-bem-no-meio-do-caminho-obrigando-o-Pedro-a-Pedrinha-e-outros-que-por-ventura-passasse-por-ali-a-tomar-uma-decisão-sobre-o-que-fazer-com-uma-pedra-bem-no-meio-do-caminho.
Para o psicólogo social o que mais interessava era descobrir a verdade de cada um daqueles que foram afetados por aquela pedra que foi parar bem no meio do caminho. E para descobrir essas verdades fez uma ampla pesquisa, dando total liberdade para que as pessoas da comunidade comentassem o que bem quisesse sobre aquele fenômeno.
Para os behavioristas essa era uma ótima chance de mostrar do que são capazes, assim, depois de cercar uma ampla área em volta da pedra que parou no meio do caminho, colocou um elefante dentro do cercado e, em pouco tempo, fazem questão de frisar, ensinou o elefante a pedir comida, por bater com a pata direita na pedra, e água, ao bater com a tromba do lado esquerdo da rocha, provando, além de qualquer contestação, argúem eles, que não há força que não possa ser condicionada.
Os desenvolvimentistas conseguiram traçar, passo a passo, o deslocamento da pedra desde seu ponto de partida, o ponto “I”, até o seu ponto de repouso, o ponto “F”, que, por incrível coincidência, foi bem no meio do caminho. Apenas uma questão eles não conseguiram resolver entre eles: A pedra iniciou sua descida por conta própria, por instinto, ou teve uma forcinha do meio?
O governo não perdeu tempo e criou um novo imposto para aqueles que tivessem uma pedra no meio do caminho de sua propriedade, além de aplicar uma multa por terem uma pedra no meio do caminho sem avisar previamente as autoridades competentes.
Os movimentos populares conseguiram agrupar vários proprietários que não tinham uma pedra no meio do caminho de suas propriedades e prometeram não comer nem beber enquanto não fosse providenciado para eles também uma pedra no meio do caminho de cada um deles, pois, afinal, eles, como bons cidadãos, também têm o direito de ter as suas pedras no meio dos seus caminhos.
Os repórteres fizeram um documentário, com setenta e cinco horas de duração, que seria passado meia hora por dia no horário nobre, para esclarecer à população o que é ter uma pedra no meio do caminho.
A impressa sensacionalista informou que, segundo fonte segura, o responsável pela pedra sair da montanha e rolar até o meio do caminho é o crime organizado, numa demonstração de poder. Informou ainda que, entre as ações futuras daquela instituição contra a lei, está fazer com que, num dia ainda a ser definido, todas as pedras deixem suas respectivas montanhas e rolem até achar o primeiro caminho a fim de parar bem no meio dele, obstruindo, numa ostentação de poder, todos os caminhos com pedras.
Os místicos consultaram seus oráculos e deram uma importante informação à humanidade: Esta é a 5782º pedra que foi arrancada de uma montanha numa tempestade e, rolando, parou bem no meio do caminho, já adiantando que a próxima ocorrência desse fenômeno ocorrerá no dia 26 de março do ano de 3675, às 23:45:37:21:09 horas, em algum lugar da Europa.
Os publicitários caiaram a pedra e alugaram cada centímetro dela por uma fortuna para que os fabricantes colocassem o logotipo de seus produtos na pedra que, saindo da montanha, foi parar bem no meio do caminho.
E o avô Pedro? Bem, ele pegou a Pedrinha, colocou-a no colo e, depois de examinar a melhor estratégia, contornou a pedra pelo lado direito e seguiu viagem levando a netinha para a escola.
Ao ser informado do ocorrido um famoso matemático, depois de coçar a cabeça a tal ponto de ficar desgrenhado, colocou a mão no queixo e, após refletir por alguns minutos, pôs a língua para fora e fez um simples comentário:
- Tudo é muito relativo!
Roberto Policiano
Estavam os dois conversando animadamente quanto depararam com uma imensa pedra que, com a chuva, fora deslocada da montanha onde deveria estar já por milhões de anos e, rolando e destruindo todas as pequenas plantas que havia em seu trajeto, parou, como que num capricho, bem no meio do caminho. E agora, o que fazer com uma pedra no meio do caminho?
Veio um poeta e fez do acontecimento um poema.
Um escultor, ao ficar sabendo do ocorrido, foi imediatamente para o local com uma marreta e uma talhadeira. Depois de examinar a pedra de todos os ângulos, procurou ouvir o que ela tinha a lhe dizer, para isso colocou o ouvido direito na pedra e escutou atentamente cada centímetro da sua superfície. Como não conseguiu ouvir nada, ascendeu-se sua ira e, num acesso de fúria, golpeou a pedra violentamente com sua marreta e gritou:
- Parla!
A pedra, trêmula e assustada, soltou um murmúrio quase inaudível, que só o escultor ouviu - dizem que eles são hábeis em ouvir rocha – e, contente com o que lhe fora revelado, armou-se de suas ferramentas e, trabalhando vários dias, mordendo a ponta da língua com os dentes da frente a cada golpe que infligia na pedra, fez dela uma bela estátua, aumentando o legado cultural da humanidade. Saiu tão satisfeito que não percebeu que a estátua estava com um dos joelhos inchado, talvez em razão da marretada que levara quando ainda não passava de uma rocha.
Já o psicanalista, ao estudar a pedra atentamente, dividiu-a horizontalmente com um giz em três partes: a parte inacessível que mantinha contato com o solo, a parte intermediária e a parte da superfície, depois, analisando-a melhor, procurou apagar a primeira divisão, cuja marca pode ser vista ainda hoje, e dividiu a pedra perpendicularmente deixando uma parte sem condições de ser acessada, mas as duas outras, embora deixasse partes de cada uma delas também impossível de ser alcançada, as outras áreas delas podiam, com muito trabalho é verdade, ser acessada por alguém habilitado.
O filósofo, ao ter o primeiro contanto com o ente, ou seja, a pedra, despiu-se de tudo que já ouvira falar sobre rochas, deu um passo pra trás, e fez uma profunda reflexão a fim de descobrir a essência dela. No entanto seu aluno predileto resolveu ir além do mestre e ocupou a vida toda em tentar achar o significado daquele ente-que-uma-vez-enterrado-na-montanha-foi-deslocado-dela-e-rolando-e-esmagando-tudo-que-encontrou-no-trajeto-de-seu-ponto-de-partida-até-seu-ponto-de-chegada-veio-a-parar-bem-no-meio-do-caminho-obrigando-o-Pedro-a-Pedrinha-e-outros-que-por-ventura-passasse-por-ali-a-tomar-uma-decisão-sobre-o-que-fazer-com-uma-pedra-bem-no-meio-do-caminho.
Para o psicólogo social o que mais interessava era descobrir a verdade de cada um daqueles que foram afetados por aquela pedra que foi parar bem no meio do caminho. E para descobrir essas verdades fez uma ampla pesquisa, dando total liberdade para que as pessoas da comunidade comentassem o que bem quisesse sobre aquele fenômeno.
Para os behavioristas essa era uma ótima chance de mostrar do que são capazes, assim, depois de cercar uma ampla área em volta da pedra que parou no meio do caminho, colocou um elefante dentro do cercado e, em pouco tempo, fazem questão de frisar, ensinou o elefante a pedir comida, por bater com a pata direita na pedra, e água, ao bater com a tromba do lado esquerdo da rocha, provando, além de qualquer contestação, argúem eles, que não há força que não possa ser condicionada.
Os desenvolvimentistas conseguiram traçar, passo a passo, o deslocamento da pedra desde seu ponto de partida, o ponto “I”, até o seu ponto de repouso, o ponto “F”, que, por incrível coincidência, foi bem no meio do caminho. Apenas uma questão eles não conseguiram resolver entre eles: A pedra iniciou sua descida por conta própria, por instinto, ou teve uma forcinha do meio?
O governo não perdeu tempo e criou um novo imposto para aqueles que tivessem uma pedra no meio do caminho de sua propriedade, além de aplicar uma multa por terem uma pedra no meio do caminho sem avisar previamente as autoridades competentes.
Os movimentos populares conseguiram agrupar vários proprietários que não tinham uma pedra no meio do caminho de suas propriedades e prometeram não comer nem beber enquanto não fosse providenciado para eles também uma pedra no meio do caminho de cada um deles, pois, afinal, eles, como bons cidadãos, também têm o direito de ter as suas pedras no meio dos seus caminhos.
Os repórteres fizeram um documentário, com setenta e cinco horas de duração, que seria passado meia hora por dia no horário nobre, para esclarecer à população o que é ter uma pedra no meio do caminho.
A impressa sensacionalista informou que, segundo fonte segura, o responsável pela pedra sair da montanha e rolar até o meio do caminho é o crime organizado, numa demonstração de poder. Informou ainda que, entre as ações futuras daquela instituição contra a lei, está fazer com que, num dia ainda a ser definido, todas as pedras deixem suas respectivas montanhas e rolem até achar o primeiro caminho a fim de parar bem no meio dele, obstruindo, numa ostentação de poder, todos os caminhos com pedras.
Os místicos consultaram seus oráculos e deram uma importante informação à humanidade: Esta é a 5782º pedra que foi arrancada de uma montanha numa tempestade e, rolando, parou bem no meio do caminho, já adiantando que a próxima ocorrência desse fenômeno ocorrerá no dia 26 de março do ano de 3675, às 23:45:37:21:09 horas, em algum lugar da Europa.
Os publicitários caiaram a pedra e alugaram cada centímetro dela por uma fortuna para que os fabricantes colocassem o logotipo de seus produtos na pedra que, saindo da montanha, foi parar bem no meio do caminho.
E o avô Pedro? Bem, ele pegou a Pedrinha, colocou-a no colo e, depois de examinar a melhor estratégia, contornou a pedra pelo lado direito e seguiu viagem levando a netinha para a escola.
Ao ser informado do ocorrido um famoso matemático, depois de coçar a cabeça a tal ponto de ficar desgrenhado, colocou a mão no queixo e, após refletir por alguns minutos, pôs a língua para fora e fez um simples comentário:
- Tudo é muito relativo!
Roberto Policiano
4 Comments:
amigo, vc arrasa mesmo! Adorei sua versão para sutuações conflitantes....me apaixonei pela "Pedrinha". Ana Paula
Obrigado, amiga Ana Paula. Tua sensibilidade fez com que a Pedrinha se destacasse. Volte sempre ao Blog. Abraços!
Excelente narrativa!
Abraço portuense.
Obrigado, Ana pelo incentivo de sempre. Um abraço paulistano!
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